10.1 Relações de gênero e deslocamentos |
Coordenador@s: Andréa Fachel Leal (ULBRA), Daniela Riva Knauth (UFRGS) |
Há séculos grandes contingentes populacionais se deslocam no espaço - escravos, imigrantes, trabalhadores sazonais, refugiados, entre outros. Com a intensificação de trocas comerciais e o desenvolvimento de tecnologia e meios de transporte, num processo cunhado hoje de globalização, a mobilidade das pessoas é maior. Determinados grupos sociais e/ou populacionais caracterizam-se pelo deslocamento no espaço - constante ou sazonal - ou por concentrarem-se em regiões de fronteiras (onde ocorrem muitas trocas de bens e serviços, de forma legal ou ilegal). Grupos que constituem universos de sociabilidades masculinas, como caminhoneiros, garimpeiros e marinheiros, ou grupos que podem conformar espaços femininos, como os profissionais do sexo mulheres ou trans, são exemplos de pessoas sujeitas a deslocamentos. A conformação de grupos sociais com presença expressiva de homens ou de mulheres, que se deslocam de forma voluntária ou forçosa, implica também na construção de vulnerabilidades, sexualidades e relações de gênero específicas. O Simpósio Temático propõe discutir o entrecruzamento das relações de gênero, sexualidades e vulnerabilidades com os deslocamentos no espaço físico e em regiões de fronteira. Questões que podem ser debatidas no simpósio envolvem, por exemplo: Quais as implicações de tais entrelaçamentos para a saúde das pesoas? De que modo as políticas públicas afetam as vulnerabilidades específicas de populações com grande mobilidade? Como as análises das relações de gênero podem contribuir para a compreensão de deslocamentos de grupos populacionais ou nas fronteiras? Serão aceitos tanto trabalhos que embasados em pesquisa de campo quanto estudos que ofereçam uma reflexão teórica ou metodológica para o debate no simpósio.
Local: Sala 07 do CSE
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Resumos
26/08 - Quinta-feira - Tarde (14h às 18h)
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Sílvio Marcus de Souza Correa (UFSC)
Estranhamentos da África colonial no diário de Marie Pauline Thorbeck
Entre os anos de 1911 e 1913, Marie Pauline Thorbeck fez parte de uma expedição científica pela região dos Camarões, colônia alemã à época. Em sua viagem, ela operou com diferentes formas narrativas e imagéticas. Além de fotografar, desenhar e pintar paisagens e gentes africanas, M.P. Thorbeck escreveu um diário, publicado em forma de livro em 1913. Suas cartas expedidas durante a viagem podem ser consideradas como uma forma de “arquivamento do eu” pelo qual a autora procurava salvar suas impressões, caso houvesse algum infortúnio durante a viagem. Essas cartas foram, posteriormente, compiladas pela própria autora para a edição do seu livro intitulado Auf der Savanne, Tagebuch einer Kamerunreise. Nas páginas de seu diário, a escrita de si acompanha uma escrita da alteridade feminina. Além de seu interesse pelo universo feminino de mulheres negras, Thorbeck escreveu sobre a nova vida de mulheres brancas na colônia africana, de sorte que a noção freudiana de unheimlich oferece uma chave interpretativa para deslindar a relação de M.P. Thoerbeck com a natureza e a feminilidade nos trópicos. A alteridade colonial é, portanto, um espelho para si. Trata-se de uma escrita relacional, que problematiza a diferença, que não fica indiferente à alteridade.
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Mónica Franch (UFPB)
Tempos na contramão: sentidos e usos do tempo entre "adolescentes de risco" na cidade do Recife
Neste trabalho, discuto as representações e práticas temporais desenvolvidas por um grupo de mulheres jovens moradoras de uma comunidade de baixa renda da cidade do Recife. De idades compreendidas entre os 11 e os 16 anos, essas garotas eram apresentadas pelas lideranças locais como "adolescentes de risco", categoria que norteou minha tentativa de compreensão do grupo. Se os fatores que levavam à inclusão de uma jovem na categoria "de risco" podiam ser muito variados (desde o uso de drogas até a convivência familiar), as narrativas sobre as garotas pareciam coincidir na presença de inadequações quanto às práticas temporais e, de forma correlata, a sua presença em espaços proibidos. Vista sob essa perspectiva, a expressão "adolescentes de risco" adquire novos sentidos, se impregnando de ideias a respeito do que diferencia uma adolescência "normal" de uma outra "de risco". Tais classificações expressam normas sobre o tempo o espaço adequados a cada momento da vida, em que as inscrições de gênero fazem sua aparição, através de um jogo de acusações e contra-acusações.
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Elcio Nogueira dos Santos (PUC-SP)
A cor do dinheiro- homens negros nas saunas de michês em São Paulo
Em minha pesquisa para o doutorado, deparei-me com a categoria raça/etnia como forte mediadora nas relações que se estabelecem entre profissionais do sexo masculino e seus clientes nas saunas de michês nas saunas de São Paulo. Tanto clientes quanto profissionais do sexo declaram que não buscam parceiros "negros" em suas relações sexuais, os profissionais do sexo declaram, inclusive, que rejeitam, quando possível, tais clientes. Este texto busca fazer uma reflexão partindo dos aportes teóricas de Brah (1996), Moutinho (2004;2006), Fry (1995) e das reflexões de Simões (2008) em locais de sociabilidade homoerótica da cidade de São Paulo sobre masculinidades e raça em espaços fechados de prostituição entre homens na cidade de São Paulo. Deste modo, procuro identificar que corpos considerados abjetos socialmente podem tornar outros corpos também abjetos, como aponta Butler (2003;2005)
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Anelise Rodrigues Machado de Araujo (UDESC)
O discurso jornalístico sobre o comércio ilegal de crianças e as relações de gênero (1985-1990)
Em 1986, o jornal Diário Catarinense em muitas de suas páginas e capas discutiu um caso que abalava a sociedade catarinense na época: a prisão de integrantes de uma quadrilha que vendia bebês para casais adotantes estrangeiros. A partir deste período, o jornal passou a noticiar com freqüência casos de crianças e adolescentes que eram comercializados ilegalmente em diversos estados do Brasil. Este estudo busca analisar, à luz das relações de gênero, o discurso jornalístico acerca do tráfico de crianças ocorrido anteriormente a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente no país. Analisa-se as matérias tendo em vista o fato que os jornalistas, da mesma forma que outros profissionais, enunciam um conjunto de representações sociais, muitas vezes singulares, em relação aos significados da infância e da maternidade para os diferentes grupos sociais.
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Luciana Andrade de Almeida (UFC)
As mulheres do meu país: a viagem de Maria Lamas ao encontro das trabalhadoras portuguesas (1948-1950)
O trabalho examina a reportagem da portuguesa Maria Lamas, editada no livro "As Mulheres do meu País" no fim dos anos 1940. A respeitada jornalista de meia-idade tornou-se viajante em seu próprio país durante dois anos para relatar a vida das trabalhadoras de Portugal. A camponesa, a operária, a doméstica e outras ocupações foram documentadas em textos, acompanhados de rico acervo fotográfico, que também ressalta detalhes do cotidiano. Seu extenso relato, com mais de 470 páginas, foi uma resposta ao governo de Lisboa que encerrou o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas em 1947, durante o Estado Novo. O forte componente católico da ditadura incidia nas relações de gênero, ao glorificar a maternidade, a mulher no lar e o modelo patriarcal de família, seguindo a “natureza” de ambos os sexos. A abordagem de Lamas traz uma voz dissonante a revelar outros poderes, práticas e representações femininos. O olhar de viajante ora se aproxima ora se distancia, focalizando a mulher para além do confinamento do ambiente privado. Sua leitura da realidade, gerada a partir do deslocamento em busca do “outro”, representa uma forma de resistência e evoca o desejo da tomada de consciência da mulher portuguesa, que ensaia sua inserção na história após um longo processo de exclusão.
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Maria Inês Amarante (PUC - SP)
O olhar de Flora Tristan sobre a América Latina. Deslocamentos, descobertas e leituras da condição feminina
O presente artigo apresenta as descobertas feitas pela escritora francesa Flora Tristan durante a viagem que empreende à América Latina, entre abril de 1833 a julho de 1834, descritas em sua obra autobiográfica “Peregrinações de uma pária”. Procura-se privilegiar os relatos histórico-subjetivos da autora - típicos dos diários mantidos pelas mulheres da época, - e centrados, particularmente, em sua visão crítica sobre a exclusão social e a condição da mulher na sociedade peruana. Pela primeira vez, Flora expõe uma tipologia feminina que traz, sobretudo, a marca da submissão a que estavam sujeitas as mulheres que observa, outras “párias”, como se autodenomina, pertencentes às diversas classes sociais com as quais conviveu ou das quais se aproximou nas cidades de Lima e Arequipa. Este contato com uma sociedade ainda escravocrata e diferente da sua, levou-a, a partir de seu retorno à França, à defesa da causa feminina e a uma inegável contribuição no âmbito do que hoje se denomina “estudos feministas históricos”. O trabalho se sustenta em pesquisas bibliográficas e documentais, bem como na análise dos textos citados.
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Bruno Puccinelli (USP)
O shopping Frei Caneca e a rua gay de São Paulo
A presente pesquisa concentrou-se no Shopping Frei Caneca, localizado na rua de mesmo nome, próximo à região central da cidade de São Paulo. A divulgação na imprensa da prevalência de público(s) homossexual(ais) nesta região, desde a fundação do shopping, contribuiu para a construção de um imaginário social da localidade como uma rua gay (o local possui apelidos como Gay Caneca). Neste contexto, destacou-se para a pesquisa a especial ênfase dada à definição identitária da rua e do shopping devido à presumida presença majoritária de homossexuais masculinos às suas dependências. Tornava-se mister compreender a dinâmica dos fluxos e deslocamentos na perspectiva da atribuição de uma identidade sócio-sexual, não apenas personológica, mas também territorial a fim de contribuir para um aprofundamento das abordagens focadas na confluência de aspectos relacionados a identidade(s) sexual(ais) e gênero, nas suas mais diversas formas, em relação à trama urbana, sociabilidade e circuitos de interação, como se pôde observar em campo. É possível vislumbrar fluxos e contra-fluxos e circuitos em constante movimento que ajudam a constituir espaços de afirmação identitária na região, principalmente no shopping a partir de dinâmicas de encontro e sociabilidade próprias e não isentas de conflitos.
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Suzimar dos Santos Novais (UFBA)
Medianeiras da paz: discurso e representações das mulheres no conflito entre Meletes e Peduros - Sertão da Ressaca - 1919
O Sertão da Ressaca não foge do contexto de ocupação territorial, bem como da significação de papéis sociais desempenhados pelos indivíduos nos demais "sertões" da Bahia e do Brasil, alicerçado numa sociedade baseada no patriarcalismo, com uma forte presença masculina desde o início de sua conquista e desbravamento até o passado recente. Diante desse cenário de mandonismo, violência política e clientelismo, onde os chefes políticos locais tinham práticas avessas à democracia, algumas mulheres inserem-se nesse universo demarcadamente hostil, dirimindo, por vezes, conflitos pontuais entre grupos políticos rivais. Esta comunicação tem o objetivo de analisar como as mulheres são representadas nas narrativas e discursos que permeiaram a luta armada entre Meletes e Peduros, principalmente nos jornais "A Conquista" e "A Palavra", de modo a refletir a participação feminina no desfecho do conflito, bem como sua vinculação com os principais líderes do movimento.
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